A Bacia de Santos é uma área biologicamente muito rica. Essa é a conclusão a que chegamos a partir das descobertas obtidas pelos projetos de monitoramento ambiental executados pela Petrobras para o atendimento de condicionantes do licenciamento ambiental federal, conduzido pelo Ibama.
Em pouco mais de 7 anos de monitoramento, registros inéditos têm sido obtidos em regiões do Atlântico Sul que nunca haviam sido estudadas com essa intensidade de esforço, trazendo à tona muitas informações sobre a riqueza da biodiversidade da nossa região.
Antes do Projeto de Monitoramento de Cetáceos na Bacia de Santos (PMC-BS), por exemplo, a maior parte dos dados sobre as espécies oceânicas que ocorrem nessa Bacia eram obtidos a partir da ocorrência de encalhes desses animais nas praias. Hoje, o PMC-BS já identificou, a partir de dados coletados por ele e pelo Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos (PMP-BS) e de dados da literatura científica, que cerca de 90% das 44 espécies marinhas de cetáceos de todo o Brasil ocorrem na região geográfica da Bacia de Santos. Dessas, 27 espécies já foram documentadas pelo PMC-BS, entre golfinhos, baleias com dentes e baleias com barbatanas bucais (também chamadas de “baleias verdadeiras”).
Dentre a 19 espécies de golfinhos e baleias com dentes já identificadas pelo PMC-BS, o golfinho-pintado-do-atlântico (Stenella frontalis) é o mais frequente e numeroso, enquanto a toninha (Pontoporia blainvillei) é o menor e mais ameaçado de extinção dos golfinhos. Além disso, a partir dos dados que já coletou, o PMC-BS pôde estimar que a Bacia de Santos já chegou a abrigar 7.468 baleias verdadeiras no período migratório (normalmente, o inverno e o início da primavera), desde a imensa baleia azul (Balaenoptera musculus), que chega a ter 30 metros, até a baleia-minke-antártica (Balaenoptera bonaerensis), com 10 metros.
Baleia-minke-antártica (Balaenoptera bonaerensis). Observe na foto acima, a cabeça em foco, mostrando as barbatanas bucais. Registros fotográficos feitos pelo PMC-BS.
O biólogo Leonardo Wedekin, coordenador técnico do PMC-BS, explica que essa variedade e abundância de espécies se dá pelo fato da Bacia de Santos ser uma região de transição e ter influência tanto de água quente quanto fria, sendo passagem para muitas espécies migratórias.
Com a ajuda de tecnologia, os pesquisadores pegam carona e conseguem acompanhar o deslocamento dos animais. “Eles não têm fronteiras, o que é um desafio para a conservação. Então, descrever a rota migratória permite a gente saber onde eles se alimentam, onde se acasalam, onde reproduzem e isso são dados inéditos para o hemisfério sul”, aponta Leonardo.
São realizadas quatro campanhas semestrais pelo PMC-BS, sendo três marítimas e uma aérea, percorrendo cerca de 15 mil km em um ano.
O PMC-BS é executado desde 2015 e logo nos primeiros anos do Projeto foi descoberta uma grande concentração de cetáceos, com diversidade de espécies, numa fenda (ou cânion) submarino, na altura de Cananéia, no litoral de São Paulo, mas em alto mar, na borda da plataforma continental, onde a profundidade passa de 200 metros para 2mil metros de forma abrupta.
“O oceano profundo é quase a região mais inóspita do planeta Terra e com muito pouco esforço de pesquisa. O PMC-BS contribuiu muito para abrir os olhos para essa diversidade. Quanto mais mergulhamos, mais diversidade de ambientes e, consequentemente, mais espécies”, complementou Leonardo.
Assinatura acústica
Algumas espécies de cetáceos têm vocalização bem conhecida. É aí que entra o Projeto de Monitoramento da Paisagem Acústica Submarina na Bacia de Santos (PMPAS-BS) somando esforços para caracterizar a biodiversidade marinha da Bacia de Santos. O Projeto monitora os ruídos gerados por atividades humanas (como navegação, atividades de exploração e produção de óleo e gás da Petrobras – conhecidos como antropofonia), ondas e ventos (geofonia) e por animais (biofonia).
O PMPAS-BS tem uma magnitude de medições acústicas oceânicas que é pioneira na América Latina e com poucos similares no mundo. O monitoramento é feito por diversos equipamentos com distintos métodos e sensores, sendo que os registros de melhor qualidade de baleias e golfinhos são feitos pelos gliders (equipamentos de navegação autônoma, utilizados para o monitoramento móvel na área oceânica).
De acordo com Ângela Spengler, analista ambiental da Petrobras, o PMPAS-BS tem interface direta com o PMC-BS. “Os gliders fazem a gravação dos dados acústicos em cartões de memória que são recuperados periodicamente e os registros de baleias e golfinhos são separados para serem analisados pelo PMC-BS”, disse.
Os misticetos (baleias com barbatanas bucais) vocalizam em baixas frequências que são muito difíceis de serem registradas durante os cruzeiros de pesquisa do PMC-BS, devido ao ruído que é gerado pela própria embarcação de monitoramento. No PMPAS-BS não há esse problema, pois os equipamentos coletam os dados de forma autônoma, sem a necessidade da presença constante de uma embarcação. Assim, o PMPAS-BS complementa o PMC-BS com gravações de vocalização de misticetos. Alguns destaques para os resultados que já foram obtidos a partir desta cooperação entre o PMPAS-BS e o PMC-BS é a descrição de um comportamento vocal da baleia-minke (Balaenoptera bonaerensis), muito mais complexo do que se sabia, além de registros inéditos dos sons de baleias-azuis (Balaenoptera musculus) e baleias-fin (Balaenoptera physalus) na Bacia de Santos.
Padrões de diversidade de espécies ao longo do litoral
Diferentemente do PMC-BS e do PMPAS-BS, que atuam em áreas marinhas, o Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos (PMP-BS) monitora as praias, desde Laguna/SC até Saquarema/RJ. Desde agosto de 2015, o PMP-BS já registrou mais de 120 mil animais marinhos, vivos ou mortos, dentre aves, tartarugas e mamíferos, na área de abrangência do Projeto.
Em uma área tão extensa, contemplando características de litoral e oceanográficas variadas, bem como um gradiente de latitudes, que contemplam desde as áreas subtropicais no sul e tropicais no sudeste do país, é esperado que as espécies não sejam as mesmas. Em Santa Catarina, por exemplo, é mais comum a presença do gaivotão e, à medida que se desloca ao norte, a ave mais comum passa a ser o atobá. No Estado do Rio de Janeiro, por outro lado, são as fragatas, biguás e atobás, as espécies de aves marinhas mais abundantes nas praias.
À esquerda, dois atobás, e à direita, um biguá, ambos em reabilitação na rede de atendimento veterinário do PMP-BS
Os pinguins-de-Magalhães, por sua vez, migram do sul da América do Sul para a costa do Brasil nos meses mais frios e, por isto, costumam aparecer mais frequentemente nas praias de Santa Catarina e do Paraná, do que no litoral de São Paulo e do Rio de Janeiro. Em média, 90% dos pinguins chegam à costa brasileira já mortos ou muito fracos e acabam não sobrevivendo. Os pinguins debilitados encontrados durante o monitoramento do PMP-BS, recebem atendimento veterinário, e os indivíduos reabilitados são soltos em grupos nas épocas adequadas, para que retomem seu ciclo de migração.
Os dados levantados pelo Projeto também contribuíram para esclarecer padrões de ocorrência de espécies, como, por exemplo, de bobos-pequenos no Estado de São Paulo, que antes do PMP-BS, eram tidas como raras na região, mas que os dados do Projeto registram uma presença mais frequente destas aves no litoral paulista, do que se acreditava até então, explica o oceanógrafo Carlos Belruss, da equipe do PMP-BS Área SP.
Nos monitoramentos do PMP-BS também se registram espécies de ocorrência rara na região, como por exemplo, o lobo-marinho-antártico e a foca-caranguejeira, animais de águas mais frias, que andaram aparecendo no litoral paulista em 2021, possivelmente um ano com condições oceanográficas atípicas. Em março de 2022, um elefante-marinho-sulamericano (Mirounga leonina), com cerca de quatro metros de comprimento e cerca de duas toneladas, foi avistado em Ubatuba, no litoral norte de São Paulo. O mesmo animal voltou a ser avistado em Paraty/RJ, antes e retornar voluntariamente ao mar.
De acordo com o coordenador do PMP-BS na área SC/PR, prof. dr. André Barreto, os projetos de caracterização e monitoramento ambiental estão gerando informações que vão permitir avaliar ao longo do tempo se a abundância das espécies está mudando. “Essas informações de qualidade vão permitir que o órgão ambiental tome decisões embasadas para a conservação das espécies”, apontou. Segundo ele, 6 anos é pouco para determinar a variação das espécies na região, mas, já é possível ter noção. “Quanto mais sutil a mudança da abundância, mais tempo é preciso para detectá-la. Nesse tempo de projeto, observamos uma leve queda em termos de abundância de alguns grupos, como as tartarugas, mas, o número de espécies se mantém o mesmo”, disse Barreto.