Imagina caminhar 7km todos os dias por caminhos íngremes, que envolvem trilhas? Precisa de muito condicionamento físico, não é? Para Micheline Jesus dos Santos essa é a sua rotina. “Acordo às 5h30, preencho o questionário da Covid-19, ligo o GPS e começo o monitoramento passando por 4 praias aqui em Trindade: Cepilho, Ranchos, Meio e Cachadaço e anotando tudo no sistema”, disse ela, brincando que a atividade física funcional que sempre fez ajudou a ter fôlego.
Há 3 anos em Trindade-RJ, ela acompanhava de longe o trabalho da antiga monitora, sempre com vontade de participar do projeto. Há 1 ano surgiu uma oportunidade e ela correu para participar do processo seletivo. “Eu me sinto realizada fazendo esse trabalho. Não importo com a chuva ou qualquer dificuldade no trajeto. Gosto muito do que eu faço”, contou Micheline.
Micheline é uma das monitoras residentes, ou seja, é parte da própria comunidade e é contratada pelo projeto para fazer o monitoramento nas praias da sua cidade. No Estado do Rio de Janeiro, são mais de 100km percorridos diariamente pelas equipes do projeto, sendo 52km de quadriciclo entre as praias de Niterói e Maricá. Além disso, nas Baías da Ilha Grande, de Sepetiba e da Guanabara, há trechos em que o monitoramento é feito embarcado.
Além de disposição física, os profissionais precisam realizar uma atividade bastante detalhada, pois fazem o registro de aves, quelônios e mamíferos marinhos encontrados encalhados, vivos ou mortos pelo caminho, e também anotam diversas características, sendo que nos casos previstos pelo projeto, encaminham animais às instalações da rede de atendimento veterinário do PMP-BS.
Cada trecho do projeto tem uma extensão de monitoramento diário pré-definida que pode acontecer a pé, de carro, bicicleta, quadriciclo, moto ou barco. Em algumas poucas praias, que apresentam restrições de acesso, o monitoramento ocorre de forma semanal. No total, 179 profissionais participam do monitoramento das praias dos municípios litorâneos dos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e do Rio de Janeiro. Além disso, o projeto também conta com acionamentos pela população por números de 0800 e por instituições parceiras.
Os profissionais procuram pela “fauna alvo” do projeto, ou seja, aves, mamíferos ou tartarugas marinhas, vivos ou mortos, mas também estão atentos a ocorrências atípicas de outros organismos marinhos, além de verificar a presença de óleo e outros resíduos que possam ser relacionados às atividades de exploração, produção e escoamento de óleo e gás.
De acordo com o veterinário e técnico de campo do IpeC, responsável pelo monitoramento das praias da Ilha do Cardoso, Ilha Comprida e da Juréia, em Iguape (SP), Rafael Sardinha, “além da chance de conhecer a diversidade de espécies que chegam ao nosso litoral em cada época do ano, monitorar as praias diariamente permitiu também entender um pouco mais sobre como funcionam as mudanças significativas das marés e dos rios que cortam as praias”. Segundo ele, essas alterações interferem diretamente na chegada de carcaças de animais e, principalmente, na realização do monitoramento.
No trecho que abrange as praias de Praia Grande, Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe (SP) o monitoramento diário é realizado de carro (caminhonetes tipo saveiro), exceto quando as condições ambientais não permitem, e parte da extensão é monitorada a pé. O monitoramento regular ativo aliado aos acionamentos permitiu o registro de 7.035 animais marinhos entre 2015 e 2021 neste trecho.
No trecho que abrangem as praias de Bertioga, Guarujá, Santos e São Vicente (SP) já foram percorridos 147.600 km desde o início do projeto. É como se os monitores de campo já tivessem percorrido quase 4 voltas em torno da Terra, em busca de animais marinhos que precisam de ajuda.
O trabalho de campo
Cada profissional carrega materiais e equipamento para a execução dos monitoramentos de praias, formando um kit, que deve estar sempre junto do técnico, contendo GPS, frascos para coleta de resíduos oleosos, fita métrica, dentre outros. Porém, cada dia é único e bastante particular, exigindo dos profissionais jogo de cintura quando o tempo vira, além de sabedoria para lidar com diferentes situações quando encontram animais debilitados que precisem ser resgatados.
“O trabalho de campo é um trabalho que nunca cai na rotina. Quer dizer, temos a nossa rotina diária de acordar cedo e ir monitorar as praias, mas tem dias que podemos simplesmente levantar da cama e nos deparar com uma baleia de quase 20 metros quando chegamos na faixa de areia”, conta Igor Matheus em uma de suas primeiras experiências quando trabalhou como monitor de campo.
Em outra situação, que ocorreu num monitoramento embarcado em Ilhabela, em fevereiro de 2021, a equipe do Instituto Argonauta avistou uma carcaça de golfinho. Com a aproximação da equipe, foi observado um animal jovem, que, ao ver as pessoas, rapidamente interagiu com a carcaça, empurrando-a para longe da embarcação. Ele submergia e apoiava a carcaça no dorso, equilibrando-a para carregá-la e afastá-la da equipe, a equipe teve que lidar com a situação por meia hora até concretizar o resgate da carcaça. “Partiu o coração, pois o bicho vivo nadava atrás do barco, tentando subir na plataforma para resgatar o companheiro”, relata o técnico de campo Marcelo Rezende.
Para a técnica de monitoramento do trecho de Florianópolis, Amanda Fernandes, estar no monitoramento diariamente nas praias permite viver experiências incríveis, observar cenários exuberantes ou o comportamento animal e interações que muitas vezes passariam despercebidas. “Entretanto, alguns momentos são difíceis. Em outubro de 2020, encontrei duas toninhas (Pontoporia blainvillei) filhotes, recém-nascidas, mortas recentemente no mesmo dia na praia da Joaquina”, lembra Amanda. O resultado da necropsia apontou para possível causa da morte asfixia/afogamento, provavelmente causadas pela captura incidental. A equipe veterinária ficou entristecida, pois as duas toninhas ainda tinham leite no estômago, ou seja, eram bebês.
Em suma, faça chuva ou faça sol, a equipe de monitoramento do PMP-BS está em campo, lidando com uma variedade de situações que um projeto desta natureza envolve, às vezes fáceis, outras vezes difíceis, contribuindo de forma essencial e incansável para a realização do projeto.
Sobre o PMP-BS
O Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos abrange os municípios litorâneos dos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e do Rio de Janeiro (de Paraty até Saquarema). A extensa área a ser monitorada pelo PMP-BS é dividida em Área SC/PR (cuja execução é coordenada pela Univali), Área SP (cuja execução é coordenada pela empresa Mineral) e Área RJ (cuja execução é coordenada pela empresa Econservation).
O projeto, executado pela Petrobras para o atendimento de condicionante do licenciamento ambiental federal, conduzido pelo Ibama, é uma ferramenta para a gestão ambiental das atividades da companhia e entrega um resultado importante para a conservação das espécies marinhas.
A população pode participar, acionando as equipes ao avistar um animal marinho vivo ou morto nas praias, pelos telefones: