Qual é exatamente o território tradicional reivindicado para titulação pelos quilombolas? Quais são as demandas de saneamento dos indígenas? E quais são as aspirações dos caiçaras em relação ao acesso à educação? Estas são apenas algumas das informações que serão reveladas pelo Projeto Povos, iniciativa que visa colocar de vez, no mapa do Brasil, os territórios, identidades e tradições de 64 comunidades tradicionais indígenas, caiçaras e quilombolas de Angra dos Reis (RJ), Paraty (RJ) e Ubatuba (SP).
Reivindicação histórica do Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT), a realização do Projeto Povos é uma medida de mitigação exigida pelo IBAMA, no âmbito do licenciamento ambiental federal, da atividade de produção de petróleo e gás da Petrobras no Polo Pré-Sal. Quem executa é o Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), uma parceria de dez anos entre o FCT e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), maior instituição de pesquisa em ciência e tecnologia em saúde da América Latina.
Participam também a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), a Comissão Guarani Yvyrupá (CGY) e a Coordenação Nacional de Comunidades Tradicionais Caiçaras (CNCTC), que completam o conselho do projeto com a missão de garantir que todos os direitos das comunidades sejam respeitados.
Cartografia social na pandemia
“É nesta triste situação em que a gente se encontra que o Projeto Povos vem fortalecer seu apoio ao Fórum de Comunidades Tradicionais. Por isso, reestruturamos e redesenhamos o processo de caracterização para resguardar as comunidades e apoiar a rede emergencial de apoio a esses territórios”, destaca Fabiana Miranda, coordenadora de Gestão Territorializada do OTSS e uma das responsáveis pela coordenação de campo do Projeto Povos.
Uma das primeiras ações, explica, foi engajar os agentes de campo e a equipe de comunicação do projeto para apoiarem a campanha “Cuidar é Resistir” do Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT), cujo objetivo é reforçar a rede de proteção a territórios tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba atingidos pela Covid 19. Entre outras ações, a iniciativa visa arrecadar recursos para aquisição e distribuição de alimentos e artigos de primeira necessidade às comunidades tradicionais e ampliar trocas solidárias de pescado e produtos agroecológicos entre territórios indígenas, caiçaras e quilombolas da Bocaina.
“Neste momento difícil, precisamos apoiar as comunidades em diversas frentes: aquisição de alimentos, distribuição de material higiene, disseminação de informações confiáveis, contenção do turismo em territórios tradicionais, apoio em projetos e editais de resposta à pandemia e reforço da economia solidária para que possamos ampliar as trocas de pescado e alimentos agroecológicos entre as próprias comunidades”, destaca Vagner do Nascimento, Coordenador do FCT e Coordenador Geral do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS).
Segundo Fabiana Miranda, as ações vão desde mapear a produção agroecológica e as redes de troca que estão sendo estabelecidas pelas comunidades como também desenvolver diagnósticos de vulnerabilidade social capazes de auxiliar agentes públicos na tomada de decisão em relação à resposta contra a pandemia em territórios tradicionais. Outro ganho importante, diz, é poder relacionar o impacto sanitário trazido pela Covid a potenciais impactos que podem decorrer de outras atividades, incluindo a exploração de petróleo na camada do pré-sal.
“Do mesmo modo que estamos vivenciando hoje o impacto trazido pela Covid, outros impactos podem acontecer a qualquer momento em outras áreas, como no caso da cadeia de gás e petróleo. Isso nos ajuda a compreender os efeitos de grandes impactos como esse na prática e na vida concreta das comunidades”, avalia.
Protagonismo comunitário
Diferente de outros projetos deste tipo, - que são feitos apenas por empresas, universidades ou ONGs -, no Projeto Povos o protagonismo é das comunidades tradicionais. Isso foi uma exigência do próprio IBAMA, que pautou a participação do Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT) no envolvimento com todo o processo. Até 2023, serão 64 comunidades tradicionais caracterizadas: 48 caiçaras, 8 quilombolas e 8 indígenas.
“Estamos entre as duas maiores metrópoles do Brasil, Rio de Janeiro e São Paulo, em uma região que está hoje no olho do furacão do Brasil. Por isso esse projeto é tão importante, porque somos nós, comunidades tradicionais, que diremos em que situação estamos e o que nós de fato queremos”, destaca Vagner do Nascimento, Coordenador do FCT, Coordenador Geral do OTSS e morador do Quilombo do Campinho.
Para isso, o projeto levantará a situação atual e as demandas das comunidades em relação a temas como saúde, educação, saneamento, situação fundiária do território, práticas culturais, festas populares, trabalho e renda, segurança alimentar, modos de governança e outros temas escolhidos livremente pelas comunidades.
Outro objetivo do projeto será avaliar os impactos da exploração de petróleo na Bacia de Santos sobre os territórios tradicionais destes três municípios. “As comunidades tradicionais durante muito tempo foram invisíveis, não eram reconhecidas, não eram vistas e muitas ainda não são. Por isso, fazer um projeto de caracterização significa criar um instrumento de luta para as comunidades por direitos e políticas públicas”, argumenta Adriana Lima, representante da Coordenação Nacional de Comunidades Tradicionais Caiçaras (CNCTC).
Entre outras ações, o Projeto Povos realizará mais de 40 oficinas de caracterização e 10 partilhas temáticas para trocar conhecimentos nas áreas de agroecologia, saneamento ecológico, educação diferenciada e turismo de base comunitária. Também serão produzidas, em linguagem simples e acessível, 15 publicações impressas, 55 vídeos curtos e 2 videodocumentários com temas definidos pelas próprias comunidades.